Dia da espiga

O Dia da Espiga, coincidente com a Quinta-feira da Ascensão é uma data móvel que segue o calendário litúrgico cristão e que tem lugar 40 dias após o Domingo de Páscoa, sendo este ano celebrado a 13 de Maio.
Lembro-me de quando era criança, ir apanhar as flores para fazer um ramo de “espigas”, que depois se guardava em casa durante todo o ano. Eu sempre adorei flores e por isso para mim esse dia era um dia muito especial. Hoje vivemos nas cidades, dificilmente os nossos filhos têm a possibilidade de correr livremente pelos campos, com os amigos, para apanhar a "Espiga", é pena, pois são momentos especiais na vida de cada um de nós, que se tornam doces recordações e que ficam para sempre guardados no nosso coração. Infelizmente é mais uma tradição que a pouco e pouco se vai perdendo.



Ritual religioso e pagão de mão dada. Ascensão de Jesus e da fertilidade. Benziam-se os primeiros frutos e estreavam-se as gentes nas primeiras festas campestres do ano. Comungava-se a festa popular da farta merenda e da libido do bailarico com a natureza. O desabrochar do alento primaveril, a isso convidava. Rematava-se o dia com a oferenda ao lar de um ramo florido a simbolizar a fartura e a harmonia para a família.


A Igreja , à semelhança do que fez com outras festas ancestrais pagãs, cristianiza depois a data e esta atravessa os tempos com uma dupla acepção: como Quinta-feira de Ascensão, para os cristãos, assinalando, como o nome indica, a ascensão de Jesus ao Céu (para os judeus é a ascensão de Moisés ao monte Sinai); e como Dia da Espiga, esta traduzindo aspectos e crenças não religiosos, mas exclusivos da esfera agrícola e familiar.



O Dia da Espiga é então o dia em que as pessoas vão ao campo apanhar a espiga, a qual não é apenas um viçoso ramo de várias plantas - cuja composição, número e significado de cada uma, varia de região para região -, guardado durante um ano, é também um poderoso e multifacetado amuleto, que é pendurado, por norma, na parede da cozinha ou da sala, para trazer a abundância, a alegria, a saúde e a sorte.


Em muitas terras, quando faz trovoada, por exemplo, arde-se à lareira um dos pés do ramo da espiga para afastar a tormenta. Mas, se actualmente poucas são as pessoas que ainda vão ao campo nesta quinta-feira, abandonando as suas obrigações, para apanhar a espiga, ou que se deslocam às igrejas para participar nos preceitos religiosos próprios da data, tempos houve em que, de norte a sul do país, esta foi uma data faustosa, das mais festivas do ano, repleta de cerimónias sagradas e profanas, que em muitas zonas implicava mesmo a paragem laboral. A antiga expressão "no Dia da Ascensão nem os passarinhos bolem nos ninhos" deriva dessa tradição.


A origem gaudiosa deste dia é, contudo, muito anterior à era cristã. Este dia é um herdeiro directo de rituais gentios, realizados durante séculos, por todo o mundo mediterrâneo, em que grandiosos festivais, de intensos cantares e danças, celebravam a Primavera e consagravam a natureza.
Não obstante as variações locais, de um modo geral, o ramo de espiga é composto por pés de trigo e de outros cereais, como centeio, cevada ou aveia, de oliveira, videira, papoilas, malmequeres, alecrim.


Simbologia associada a cada elemento:
Espiga – Pão (que nunca falte comida, que haja abundância em cada lar)
Malmequer - Ouro e prata
Papoila - Amor e vida
Oliveira - Azeite e paz
Videira - Vinho e alegria
Alecrim - Saúde e força

Além destas associações basilares, a espiga surge também, com as proibições do trabalho e ainda com o poder da Hora, isto é, com o período de tempo que decorre entre o meio-dia e a uma hora da tarde, tomando mesmo, nalguns sítios do país a designação de Dia da Hora. Nas localidades em que assim é entendida esta quinta-feira, acredita-se que neste período do dia se manifestam os mais sagrados e encantatórios poderes da data e nas igrejas realiza-se um serviço religioso de Adoração, após o qual toca o sino. Diz a voz popular que nessa hora "as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha, o pão não leveda e até as folhas se cruzam" . Nalgumas povoações era também do meio-dia à uma que se colhia a espiga.
O ramo deve ser guardado ao longo de um ano, até ao Dia de Espiga do ano seguinte, pendurado algures dentro de casa.
Fonte: Festividades Cíclicas em Portugal, de Ernesto Veiga Oliveira




"As pernas da tradição não conseguem acompanhar os movimentos dos braços da novidade." (Carlos Drummond de Andrade)

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